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Manifesto de uma “encalhada” (especial Dia dos Namorados)

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Dia dos Namorados é sempre aquela cena linda: casais antigos e recentes fazendo juras e planejando a noite especial que terão juntos, postando imagens fofinhas em que marcam um ao outro – tudo pelo Facebook, público, é claro. E há também a tradicional Festa dos Solteiros, alvo fácil de piadinhas dos amigos que namoram.

Isso aconteceu comigo ontem quando convidei uma amiga para se juntar a mim numa turma de outros amigos e amigas que passarão esta romântica noite de quarta-feira nas baladas de São Paulo. Não, nenhum desses homens e mulheres está desesperado atrás de um par, um namoro, um casamento. A intenção não é essa. Solteiros simplesmente adoram festas, e qualquer coisa é motivo – o Dia dos Solteiros é só mais um, uma quarta-feira para ouvir boa música e beber despretensiosamente.

Mas antes que eu pudesse dar essa ou qualquer outra explicação, após fazer o tal convite para ela através de um grupo de amigos no WhatsApp, um dos homens da turma (que namora) enviou: “Festa no Dia dos Namorados para os encalhados?”, no que respondi: “Não, porque encalhado é quem está desesperadamente procurando um namorado, e eu não estou, sou uma solteira bem feliz. Melhor assim do que namorar pra não ficar sozinho né? Sinal de que eu gosto da minha companhia.”. Ele então completou: “Quermesse é mais esquema”, com outro homem da turma adoçando o coro: “É, se vocês fazem tanta questão de encontrar o cara certo, estão procurando no lugar errado”. Me restou explicar: “Mas eu não disse que estou à procura de ninguém! Vou pela festa. Não estou caçando um namorado.”

O fato é que na cabeça de muitos homens (e mulheres) as pobres donzelas estão sempre procurando uma paquera, um rolo, um namorado, um marido… Na projeção dessas pessoas, todas tem o sonho de viver um conto de fadas com o príncipe encantado, e quem está sozinho, está incompleto, abandonado, é um coitado, um encalhado.

E isso me fez pensar… o que realmente é estar encalhado?

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Como sou do tipo que imagina a cena de toda e qualquer situação, nesse caso o que me veio à cabeça foi uma baleia encalhada na areia. E me pareceu o paralelo perfeito. O pobre cetáceo encalhado quase nunca consegue se mover sozinho, precisando mobilizar dezenas de pessoas que a empurrem de volta para o mar dando uma chance de sobrevivência.

Da mesma maneira é alguém que não consegue se mover sozinho, escolher para onde ir, e o que fazer, sem depender de alguém. Morre na praia. É frustrante.

Verdadeiros encalhados não tem liberdade para fazer suas próprias escolhas, e, pelo menos comigo e alguns dos meus amigos solteiros, isso não acontece. Ao contrário. Se quero sentar sozinha pra tomar um chopp depois do trabalho eu posso. Eu viajo – amo viajar – faço isso com os amigos ou mesmo sozinha. Vou a festas de solteiros, vou a fondues de casal (sem ter um par), assisto comédia romântica no cinema ou filme de ação sem a necessidade de companhia, e se quiser, e eu adoro, posso ficar dormindo um final de semana inteiro sem depender da aprovação ou do colo de ninguém. Olha, sinceramente, se isso for estar encalhada, então eu desconheço o que é liberdade.

Tenho certeza de que existem muitos solteiros por aí desesperados para estarem com alguém, deprimidos por se verem sozinhos “em pleno Dia dos Namorados!”. Estes podem estar de fato encalhados, mas quantos casais você conhece que não saem, não viajam, não transparecem nem um pouco de diversão quando estão numa roda de amigos solteiros ouvindo as coisas mais absurdas que a gente pode passar, e que vivem de mentiras pra satisfazerem seus egos e o do parceiro, que traem, enganam e mesmo assim chegam até a se casar? Isso pra mim é estar encalhado. E como é triste!

O que as pessoas querem provar estando com alguém que não se quer realmente, apenas pelo medo de estarem sozinhas? Isso sim é estar encalhado. Encalhados porque tem pavor de encarar o mundo sem ter alguém do lado para dar segurança. E que segurança é essa? Você precisa mesmo ser a baleia encalhada temendo apodrecer abandonada na praia, ou será que estar assim é uma opção sua?

Há algo que sempre digo: Quem pode querer a nossa companhia se nós mesmos muitas vezes a recusamos? Se não somos boas companhias pra nós próprios, pra quem seremos?

Estar encalhado é ter medo de ficar sozinho, e os solteiros não precisam ter esse medo. Assim como os comprometidos precisam saber ter seu próprio espaço. O oposto de estar encalhado é bater as asas e voar, e isso você pode e deve fazer estando solteiro, namorando, enrolado, casado, porque é a sensação de liberdade que nos move para a frente. Quer coisa melhor do que ter alguém para bater as asas junto com você, ou que confia o suficiente para te deixar livre pra voar? Ou mesmo voar sozinho, atrás de um objetivo que é só seu?

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Ao contrário do que pode parecer, não sou uma “solteira convicta”, aliás, sou uma “ex-dependente-de-relacionamentos” que aprendeu a olhar pra frente e dar mais valor a liberdade do que a obrigação, pelo menos em relacionamentos. E digo que não sou solteira convicta porque acredito que esse título cabe a quem se posiciona e grita pra todo o mundo que não quer ter alguém. Eu quero, e tenho certeza de que muitos dos meus amigos solteiros também. Quem dispensa um carinho, um afeto, um momento que você possa dividir e ao mesmo tempo somar?

O que não quero é estar com alguém só pra não parecer encalhada, pra não ouvir mais da tia no Natal que já passei dos trinta e estou ficando pra trás. Há uma distância enorme entre estar solteira sem qualquer problema com isso, e estar solteira achando que você só voltará a ter uma vida quando se relacionar novamente.

Eu quero estar com alguém no dia em que eu escolher estar com alguém e essa pessoa escolher estar comigo, pelos motivos certos. Porque eu amo minha companhia, e para que alguém possa desfrutá-la o retorno terá que ser, no mínimo, igual.

Perder tempo é gastar o dia, ou a vida, com alguém que só te oferece muros, correntes, que te encalha. Eu quero ter alguém, só não preciso de alguém.

Não sou uma solteira convicta, sou uma solteira feliz.

 

Nota  do Juan: O 2Centavos é um lugar onde falamos de coisas, lugares… e pessoas. Reviews sobre comportamento também aparecem por aqui.

Por Flávia Mestriner Botelho (convidada)

Viajante obcecada, festeira por natureza, viciada em sapatos e apaixonada por dormir. Ainda quer dar a volta ao mundo. É socióloga, mestre em ciências e pesquisadora em uma ONG.