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6 meses, 55Kg menos, sem cirurgia ou (muito) sofrimento. O relato.

Quero começar falando que emagrecer é uma decisão pessoal. Não pretendo neste texto fazer apologia ao emagrecimento a qualquer custo, ou a uma suposta tirania de corpos lindos. É a minha experiência, meu desafio pessoal e espero que possa ajudar (e por que não inspirar?) pessoas que procuram uma forma de ficar mais saudáveis.

Abaixo ponho trechos reescritos de uma espécie de diário (ok, é um diário que não foi feito todo dia, qual o nome disso?!) para tentar mostrar o meu processo. Tenho 37 anos e emagreci 55 quilos em 6 meses. Estou há pouco mais de 6 meses mantendo esse peso e meu depoimento não é patrocinado por ninguém, apenas motivado pela vontade de ajudar outros em situação parecida. Não vou também contar detalhe por detalhe da dieta. É fundamental o acompanhamento profissional e tentar sozinho não é nada recomendado.

Pois bem, feitos os avisos, vem comigo!

 

Começo, março de 2013.

jorge00Já faz um tempo que não estou satisfeito com minha saúde e com a forma com que venho cuidando dela. Tenho engordado ano após ano e ela tem piorado na mesma proporção. Estou em Nova Iorque com minha mulher e um casal de amigos. A viagem está ótima, mas eu não me sinto bem. Caminhar está complicado, sinto falta de ar e a mochila parece pesar uma tonelada (ok, tá bem pesada, mas nem tanto assim). Meu sono é sagrado, sempre dormi como uma pedra, porém isso está mudando.  Já acordo com vontade de voltar a dormir. Meu humor tá horroroso. Não quero passear. Não quero sair do hotel. Não quero ver ninguém. Não encontro roupas do meu tamanho em loja alguma e olha que estou nos EUA! Quando encontro compro 5 do mesmo tipo pois não sei onde vou achar outras. Estou deprimindo, de novo (assunto para outro dia), e não quero isso para mim ou para aqueles a minha volta. Preciso fazer algo. Vou fazer algo.

 

Quase no final de março de 2013.

Um belo dia vi no corredor uma colega de trabalho. Ela estava visivelmente mais magra. Muito mais magra e num curto intervalo de tempo. Minha primeira reação, claro, foi achar que ela estava doente. Fiquei meio sem graça, mas criei coragem para perguntar: “Como você emagreceu! Tá tudo bem com você?!” E ouvi de volta, com um leve sorriso no canto da boca: “estou ótima, estou fazendo uma dieta muito boa.” Como várias pessoas acima do peso, quis saber como, onde, quanto. Peguei o telefone da clínica e achei na internet o site. Quem sabe, né?

Conversei com minha esposa no mesmo dia. Ela me deu força. Mais do que isso. Ela me pegou pela mão e me levou para conhecer a clínica. E aqui fica o primeiro agradecimento. Sei que sem ajuda não teria dado esse primeiro passo. E ela foi esse empurrão. Eu já tinha motivos suficientes para fazer algo, mas não fazia. Os médicos já tinha ligado a luz amarela (laranja, eu diria). Exames de sangue: nada bons. Endoscopia: preocupante. Pressão cardíaca: alta. Capacidade aeróbica: quase nula. Remédios para controlar essas condições: alguns. Todos os exames indicavam uma cirurgia bariátrica como recomendada. Minha mãe tinha feito uma com resultados muito bons. Conheço outras pessoas com boas experiências com a bariátrica. Cheguei a visitar alguns médicos com essa intenção, mas eu não queria algo que considero tão radical.

(Aqui vale uma nota. Hoje vejo a cirurgia bariátrica como um procedimento a ser usado em último caso. Porém, ela sozinha não resolve problemas de saúde de ninguém. Mudar atitudes e hábitos precisa estar no pacote. Não condeno a cirurgia, só a forma com que ela é vendida por muitos médicos – como uma solução mágica. Não é. Ela funciona para muita gente? Sim. Mas todos que já fizeram e com quem converso mudaram também a forma de encarar sua relação com a comida e com a própria saúde. Não foi a cirurgia, foi algo mais).

Fiz a visita. Fui bem recebido num ambiente bonito e por profissionais simpáticas. Em pouco mais de 15 minutos, ouvi tudo que precisaria ouvir. E simplesmente não acreditei nas promessas. “Charlatanismo” foi a palavra que veio na cabeça. Pelo processo da Clínica, eu perderia entre 7 e 10% de peso corporal todo mês. A balança acusou 140kg – obesidade grau III. Minha meta (estabelecida pelos profissionais, não por mim) seria chegar a 90 kg, aproximadamente. O gráfico mostrava que daria para fazer entre 4 e 6 meses. Mas havia alguns “poréns”. O primeiro, que logo de cara assustou, foi o preço. Não é um tratamento para qualquer um (infelizmente). R$ 1.500,00 reais por mês (preço da época), mais uma espécie de matricula de R$ 660,00. Uma vez chegando na meta, haveria a “transição” (falo dela mais na frente), quando o valor cairia para R$ 660,00 por mês por, no mínimo, mais 4 meses. Isso mesmo, algo entre 9 e 12 mil reais, fora vitaminas e exames adicionais.

Além disso, precisaria fazer exercícios constantes. Mas nada de correr, nadar ou qualquer outro aeróbico. Musculação funcional apenas. E bem de leve. De novo, achei que essa galera da clínica estava de sacanagem com a minha cara. Como perder peso sem me exercitar direito?

Mas não acabou, teria que participar, pelo menos duas vezes por semana, de terapia em grupo. Só a palavra “terapia” já me dava arrepios. E com completos estranhos. Mas era obrigatório e sem muita negociação. Duas vezes por semana, no mínimo.

Disseram (sem nenhuma amaciada… nem um beijinho antes) que eu comeria 800 calorias por dia. E não passaria forme. E me sentiria muito bem com isso. Fui para casa pensar no assunto. Tem algo estranho nesse lugar. Isso não tem como funcionar.

 

Algum momento no começo de abril.

Comecei a ligar para todos os profissionais que conheço. Educador físico. Gastroenterologista. Proctologista. Fisioterapeuta. Nutricionista. Contei para todos eles o que me foi dito. Todos foram unânimes: “Se você der conta de seguir, a dieta faz sentido”. A musculação funcional serviria para ativar a musculatura e não deixar que ela se deteriorasse demais durante a dieta hipocalórica. A alimentação restritiva e cheia de regras era voltada para resultados rápidos. Todas as peças se encaixavam. Mas vou ao Google. Alguém tem que falar mal desse lugar. Centro Terapêutico Maximo Ravenna. Ravenna para os íntimos. Chegou no Brasil em Salvador e tem sedes em São Paulo e desde novembro de 2012, aqui em Brasília. Antes disso com sedes na Argentina, Uruguai, Espanha, etc. Não achei nada realmente sério contra o estabelecimento ou seus profissionais, apenas uma coisa aqui e outra ali sobre questões contratuais e financeiras. Minha mulher no meu pé para que eu fizesse algo. Estava ficando sem desculpas para não começar.

 

16 de abril de 2013.

jorge01A patroa ligou na clínica, marcou as primeiras consultas e hoje, dia 16 de abril, acordei para começar o tratamento. A possibilidade de pagar por trimestre, ter um desconto com essa forma de pagamento e, se não der certo, depois de 3 meses cancelar tudo, foi meu empurrão final. Minha mulher me acompanhou em todas as consultas. Médica, nutricionista, psicóloga e educadora física. Uma bateria de exames foi pedida. Todas as consultas do primeiro mês estavam no pacote. E poderia malhar na clínica. E dentro da clínica tem restaurante (valores não inclusos) com comidas (gostosas, não posso negar) para pacientes. Continua caro, mas me agradou essa visão integrada do tratamento.

A cada consulta, um choque de realidade. Mas a consulta mais dura foi a da nutricionista. Fui pesado (139,3kg), fiz um exame chamado bioimpedância (que serve para medir quantidade de água, gordura e massa magra no corpo) e recebi as orientações alimentares. As tais 800 calorias, divididas em 4 refeições por dia.

Todo mundo quer saber o que eu comi esse tempo todo, então vou contar apenas uma vez como é a dieta. Ela é bem mais rica e variada do que o exemplo que vou usar, e vou repetir algo que falei antes. NÃO TENTE FAZER ISSO SOZINHO. NUNCA. Estar acompanhado de profissionais é fundamental. Dito isso lá vai:

– Café da manhã

Uma porção de proteína (Exemplo: uma fatia de muçarela light e uma fatia de peito de peru light. Ambos cortados em máquina).

Uma porção de fruta (Exemplo: 90g de maçã)

Uma xícara de café preto sem açúcar (prefiro não adoçar mesmo, mas pode usar sucralose)

– Almoço

300 a 400 ml de caldo de legumes peneirado

90g de salada crua com alface, rúcula, tomate e beterraba

60 gramas de legumes cozidos no vapor (cenoura e brócolis)

90 gramas de carne vermelha pesada antes de preparar. Sempre preferi comer assada.

– Sobremesa

Um pote pequeno de gelatina zero.

– Lanche da tarde (repetir opções do café)

– Jantar (repetir opções do almoço)

Além disso, três tipos de vitaminas são tomadas diariamente. A ingestão de água deve aumentar para algo entre 3 e 4 litros.

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Fotos por @saudaveando 

 

10 dias de dieta.

Me prometeram não passar fome. Até o terceiro dia de dieta não foi bem assim. Senti, especialmente de noite, bastante fome. Mas também fui avisado que seria normal. Senti um pouco de enjoo e de dor de cabeça, também. E uma forte mudança no ritmo do meu intestino. Desde o segundo dia de dieta, minha evacuação está mais líquida e tenho ido mais vezes por dia ao banheiro. Paralelamente, em dias aleatórios, tenho enjoo e mal estar no estômago. É como se eu estivesse com gases e constantemente com a sensação de “comi demais”. Tenho pesado religiosamente os alimentos em balança eletrônica e não tenho saído da dieta. Meu consumo de líquidos subiu e está acima dos 4 litros por dia.

Em 9 dias tinha perdido 6,5kg e estava satisfeito com o resultado, mas essas situações vinham me incomodando um pouco. Daí, com 10 dias de dieta, tudo passou. Não fiz nenhuma alteração no cardápio, apenas reduzi o caldo (de 400 para 300 ml) e acho que ajudou. Já o intestino solto tem sido variável. Dias melhores, dias piores, dias normais. Já me acostumei, porém confesso que fiquei um pouco preocupado no começo.

Fui aos grupos terapêuticos. Não me sinto à vontade ainda para falar de mim, de como estou e do que quero. Quem sabe mais para frente.

 

18 dias de dieta.

Minha perda de peso reduziu consideravelmente de velocidade. Passei os últimos 4 dias sem mudanças na balança. Será que isso é normal? Tanto a médica como a nutricionista responderam meus e-mails e percebi que sim, é normal e o peso vai voltar a cair. Considerando que estou ainda na primeira quinzena da dieta, esse fator também me preocupou.

Ouvir as experiências de outras pessoas tem servido como uma ferramenta interessante. Ouço gente que parou de tomar remédios de diabetes porque mudou de hábitos alimentares. “Curas” das mais diversas: pressão alta, dor nas costas, joelho doendo, dificuldade para dormir. Muitas pessoas defendem que a obesidade em si não é doença. Ok, ser gordo pode não ser doença, mas emagrecer ajuda a se livrar de muitas delas. Procuro absorver aquilo que pode me servir e tento usar mais à frente. Dicas de como se portar em festas (cada um usa uma estratégia). Relatos de como encarar pressões sociais (sim, as pessoas te olham de forma estranha quando você passa a comer de forma diferente). Comecei a falar um pouco de mim, quem sabe posso dessa forma ajudar os colegas ali na sala com as minhas experiências.

 

30 dias de dieta.

jorge02Primeira bioimpendância depois de um mês de dieta. Sucesso total. Perdi 12,5kg em 30 dias. É muita coisa. Houve uma perda de massa magra e no começo é considerado normal. Já me sinto melhor. Mais disposto. É engraçado como as pessoas à minha volta ainda não percebem tanta perda de peso. Olham e perguntam: “Tá indo bem na dieta? Nem é tão rápido assim, né?” Algumas, por pura necessidade de interagir. Outras, quase sinto a maldade cortando o ar. Digo que perdi mais de 12 kg e ouço de volta: “Que bom, né? Quando você engordar de novo, já sabe o que fazer”. O sangue sobe na hora, mas me controlo. E isso também é novo para mim.

Dica: como bom nerd que sou, uso um aplicativo de celular para guardar minhas medidas de peso (imagem abaixo). Existem inúmeros, tanto para iOS quanto para Android. Recomendo o Libra, que gera gráficos bacanas, exporta os dados e permite comentários nos dias de pesagem. A relação com a balança é de amor e ódio. O tempo todo. O aplicativo me permitiu enxergar o tratamento de forma macro. Ir além da medida da balança em um dia. Perceber que, em longo prazo, estava funcionando.

A esquerda meu gráfico real (!)

 

60 dias de dieta.

jorge03A perda de peso continua constante. Tenho chegado na meta mínima com facilidade (7% do peso atual por mês), porém não consigo chegar na meta máxima (10%). Isso me deixa um pouco incomodado. Mas não posso negar as pequenas vitórias e me aproprio delas. Fui ao cinema e, pela primeira vez em muito tempo, a cadeira não ficou me apertando. Pode parecer uma grande bobagem, mas essas pequenas vitórias têm um gosto muito especial. A perda de peso ficou aparente e os elogios começaram a chegar. É bom perceber que o esforço está rendendo frutos.

Por outro lado, aprendi uma dura lição este mês. Comi uma gelatina que achava que era diet e não era. Eu devia ter desconfiado, já que estava tão saborosa e doce. E o preço pelo erro, eu paguei rápido. Sair da dieta é muito ruim para o corpo. Não tem essa de “só dessa vez”, “dia do lixo” ou “eu mereço”.  Passei muito mal ainda no mesmo dia e parei de perder peso por quase uma semana. Controle e disciplina. Não posso delegar para outros uma responsabilidade que é minha. Eu preciso ter nas minhas mãos o que faço com minha vida. Seja comida, decisões familiares, escolhas no trabalho. Tudo é resultado do que faço. E pensar que um pote de gelatina teve tanto poder sobre mim.

 

Entre 90 – 150 dias de dieta.

jorge04A segunda metade do período de descenso está sendo a mais difícil para mim. A dieta está fácil ou “transparente”, como gosto de falar. Sei o que comer, quando comer e não sinto fome. Mas então, por que está tão difícil? A resposta é simples: Ansiedade. Começo a ver que estou vencendo a batalha, mas com a aproximação do final da guerra, fico pensando “e depois, como vai ser? Vou conseguir manter isso tudo?” É muito difícil viver de forma tão restrita, com tantas amarras. Até sonhar com comidas “proibidas”, eu sonhei. E acordei com ressaca moral, o que é pior. Nesse final, a batalha não é com a balança e, sim, comigo mesmo. Eu me sinto um pouco perdido e procurando sentido para o que faço. Meus exames de sangue estão maravilhosos, minha pressão sanguínea está normal. Será que preciso continuar com tudo isso? Os comentários de algumas pessoas também não ajudam. “Já está bom agora né? Ainda vai perder mais peso? Pra quê?”

Realmente não tenho essas respostas.  Falar sobre isso com outras pessoas na mesma situação sim, ajudou. Tenho que me render, a parte terapêutica do tratamento é mais forte do que eu esperava. Criei boas amizades na clínica. Pessoas que, mesmo sem saber, me ajudam muito.

 

Pré-transição.

jorge06A tensão está à flor da pele. Eu me sinto magro demais (já baixei 3 quilos da minha meta inicial) e, ainda assim, o percentual de gordura que devo perder não bate nos exames. A perda de massa magra intensificou na reta final. Apesar de saber que todos esses fatos são normais do processo, tudo isso é muito duro. Recorro a várias pessoas na clínica. Eu me sinto preparado para “mudar de fase, pois acho que já mudei de vida”. E sei que a transição é uma nova etapa complicada. Mas estou no meu limite. Minha mulher percebe isso. Pessoas à minha volta percebem isso.  Confesso que quase desmoronei. Mas segui adiante. Respira no saco, Jorge!

 

6 meses e 6 dias desde o começo da dieta.

Faço uma dieta de 3 dias ainda mais intensa para fazer novos exames. Fim do sofrimento. Mas não consigo celebrar a vitória. Fico com o gosto amargo de que foi duro demais. Sem necessidade. Mas um texto me ajuda a resgatar a confiança. Não vou me alongar, leiam e tirem as próprias conclusões.

Eu sabia que não seria fácil. Eu sabia que iria “doer”. Eu escolhi esse caminho e não posso dizer que perdi. E as perguntas do texto me fizeram refletir sobre outras áreas da vida. Trabalho, família, coisas que realmente queria mudar e estou conseguindo. Tenho mais paz dentro de mim. E percebo agora que minha tensão não era só com a dieta. Ser feliz é meio óbvio. Todo mundo quer ser feliz. E o que estou disposto a fazer para mudar o que não gosto? Mudanças raramente são simples. Espero que consiga deixar tudo mais leve. Por ora, quero apenas começar a transição e encarar esses novos desafios.

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Mês um de transição.

O que é, de fato, a tal de transição? É uma reintrodução, lenta, dos alimentos. É uma etapa obrigatória do tratamento e fundamental para o corpo não reagir de forma muito severa aos alimentos “novos”. Nela o tratamento fica bem mais personalizado. A dieta é feita para cada um, de acordo com as necessidades de cada um.

A quantidade de comida aumentou um pouco. Saí de 800 para 1200 calorias. Não tenho ainda a reintrodução de nenhum alimento. Para mim, é comida para caramba (!?). Fico com dificuldade de comer tudo, mas sei que preciso reaprender. Pouca coisa muda e ainda perco um pouco mais de peso (esperado).

Um ganho que só agora percebo é a disposição física. E isso tem me deixado muito feliz. Posso agora acompanhar minhas filhas. Levanto, abaixo, pulo, corro. Pego no colo, jogo para cima e rolo no chão. Minha amada esposa não deve ter reclamações também sobre o “novo” Jorge.  O anúncio do cartão de crédito tinha razão: isso não tem preço.

 

Mês dois.

Introdução leve de alguns alimentos. Rola um frio na barriga (trocadilho não proposital) quando como coisas que fiquei meses sem comer. E olha que estou falando de comidas saudáveis. Foi importante essa etapa nova, pois viajei com a patroa para renovar o armário. Aliás, dica: só mude seu armário completamente depois de estabilizar seu peso. Comprei coisas que precisei apertar e outras que ficaram meio justas. A composição corporal ainda muda muito e descobrir o “novo corpo” leva um tempinho. Voltando à viagem, passar a procurar lugares para comer de forma saudável é uma nova rotina. Fui a restaurantes que adoro em NY (o do MoMA merece um review só para ele), mas o tempo todo sabendo o que estava comendo. Com o controle das ações na mão. Tempos depois, li um texto legal que tem a ver com esse momento. Saber comer não é algo tão simples e precisa o tempo todo ser buscado, especialmente por alguém com problemas na balança como eu. É importante dar o devido valor e o devido papel para a comida.

 

Terceiro mês.

NATAÇÃO! Cara, que coisa boa. Posso voltar a nadar. Sempre adorei nadar e poder voltar foi uma emoção enorme. Na minha primeira aula, vi minha vida passar. Chorei. Lágrimas boas. Eu me senti verdadeiramente vencendo a minha obesidade. Meu desempenho é um lixo. Não me importo (sim, eu me importo, e continuo treinando para melhorar meus tempos, mas na hora, não me importei). A introdução dos carboidratos está tranquila. Percebo com facilidade alimentos que me dão gatilhos. Bani da minha vida, de cara, duas comidas: pão branco e arroz branco. Só como em último caso. Nem deveria ter comido, mas, pela lógica, quis experimentar enquanto estou “protegido” pela clínica. E não sei até quando fico (será que entro no clube pós-transição?). Essa estratégia foi boa para mim.

Já nesse mês, vou colhendo resultados dessas boas escolhas. Ganho massa magra, perco gordura. Eu me sinto mais forte, composição corporal mudando, desempenho atlético melhorando, condicionamento físico sendo construído.

Começo também a correr. Nunca foi meu esporte predileto, mas estou flertando com o que está fácil. Quero descobrir o que é bom para mim. Basquete aos domingos com os amigos, stand-up paddle e o que mais aparecer.

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Quarto e último (?) mês.

O fim se aproxima. Meu discurso é o de que estou preparado para enfrentar o que está pela frente. Mas não estou. E agora? Quais vão ser meus objetivos? Eu me agarro ao esporte. É o caminho mais “fácil” e mais natural. Gosto de nadar. Estou gostando de correr. Malhar continua igual a tomar Bactrin: tem gosto ruim, ninguém quer, mas já que é preciso, não fico de mimimi. Minha angústia é a continuidade na Clínica. Há um plano de acompanhamento pós-tratamento. O cobiçado Clube Ravenna. Cobiçado, lá no começo. Hoje não sei se quero. Vou aos grupos terapêuticos e outra coisa fica bem clara. O processo fica ainda mais individual. Alguns não conseguem se afastar (nem mesmo pensar na ideia de se afastar) da Clínica. Outros fazem questão de seguir novos caminhos. A maioria se afasta por inércia, não sente necessidade. Eu acabo ficando no meio do caminho. Os índices de pessoas que voltam a engordar depois de perder muito peso são alarmantes. Fico com medo e não sei bem o que fazer.

E, de novo, ouvindo as pessoas perto de mim, fico. Estou feliz. Gosto de, eventualmente, ir aos grupos de emagrecimento. Ficar (re)conectado com tudo isso. Fiz amizades que não vou perder nunca mais e é gostoso ter um dia para conversar. Tento também ser um espelho para quem está começando, como outros foram para mim, um dia. E por quanto tempo fico? Mesmo se uma bomba atômica explodir durante a noite na Clínica, se na manhã seguinte começar o apocalipse zumbi e todos os profissionais (a quem aqui agradeço de coração) forem deportados para férias forçadas no Havaí, uma certeza fica: eu posso seguir em frente por minha conta e vou conseguir. Um dia de cada vez. Ou como diria a Dory: “continue a nadar, continue a nadar, continue a nadar”.

 

Epílogo.

Maio de 2014. Sim, estou vivo. Mais do que isso. Estou na linha de largada da minha primeira corrida de rua, pouco mais de um ano depois daquele 16 de abril. O coração bate forte. A corrida é a Night Run (Recomendo! Alto astral, música a mil, clima bem ameno ao correr de noite). Saio em disparada com o meu professor para desgarrar do pelotão inicial. Muita coisa passando pela cabeça. O que percorri até ali. Para onde quero ir. Outros amigos também estão na corrida. Alguns correndo e outros tantos apenas caminhando. A metade final do percurso é em subida. Eu fico realmente pregado. Mas nem FODENDO que eu vou parar. Na chegada, a música fica mais alta. Energia sai, sei lá de onde, para um sprint final. O gosto na boca é de que a vida é boa. Muito boa. Dou uma leve suada pelos olhos. Sim, foi bem legal. Sim, vou correr de novo. Vem gente, vai ter endorfina!

 

Revisão e arte: Juan Lourenço

Por Jorge Paulo Jr.

Nascido no mesmo ano do primeiro Star Wars, jogador de D&D desde 1989, acha que Gurps e Magic são a decadência da juventude. Publicitário, sabe que foi enganado pelo teste vocacional. E odeia escrever algo neste "Sobre mim".